Por Maria José Lobo Antunes
Entre 1961 e 1974, o estado português combateu guerras que nunca foram oficialmente declaradas. As ações militares em Angola, Guiné e Moçambique destinaram-se, de acordo com a versão oficial do Estado Novo, a conter focos insurrecionais isolados. A propaganda e a censura, reforçadas durante os anos do conflito, estabeleceram os limites no interior dos quais se podia imaginar a nação. A mobilização para a ação militar nos territórios africanos foi garantida por um discurso oficial que, através de palavras e de imagens, recordava a brutalidade dos ataques de março de 1961 e, simultaneamente, enfatizava a paz, progresso e portugalidade das chamadas províncias ultramarinas.
Recrutados pela conscrição que enviou centenas de contingentes da então metrópole para África, mais de 800 mil homens cumpriram comissões de serviço. Nas zonas de ação militar, afastados dos mecanismos de vigilância que determinavam o que podia e não podia ser visto, estes militares captaram imagens amadoras do mundo que os rodeava. Os estudos que têm analisado os arquivos fotográficos pessoais de ex-combatentes de outras guerras coloniais deixam entrever as zonas de contacto e de ruptura que existem entre as coleções privadas e a visualidade oficial, nomeadamente no que respeita à representação da alteridade nos impérios e às habitualmente censuradas imagens de violência e destruição.
O projeto “Imagem, guerra e memória: fotografia da guerra colonial nas coleções privadas e nos arquivos institucionais” é guiado por dois objetivos. O primeiro objetivo é o de criar uma base digital de imagens com materiais provenientes de arquivos privados e institucionais. A construção desta base permitirá identificar, reunir, analisar e disponibilizar online coleções que têm permanecido dispersas. É a partir desta recolha que se desenvolverá o segundo objetivo: o de interrogar a fotografia enquanto elemento visível de um processo mais vasto, um processo que atravessa planos espaciais e temporais diversos e que coloca em relação pessoas, objetos, representações e práticas. Cruzando contributos provenientes da antropologia, da história e dos estudos de memória, pretende-se examinar os aspetos materiais e as dinâmicas relacionais das fotografias, públicas e pessoais, dos treze anos de guerra. Trata-se de, por um lado, analisar a ligação entre os planos visual e discursivo da experiência de guerra e da construção do império (como foram produzidas, divulgadas e consumidas imagens públicas sobre a vida nas colónias e sobre a ação militar portuguesa nestes territórios?) e, por outro lado, interrogar as relações e interações criadas produção fotográfica amadora (como podem as fotografias fazer convergir a história visual e a história oral?).
O projeto “Imagem, guerra e memória” é da responsabilidade da investigadora Maria José Lobo Antunes.
Financiamento: Fundação para a Ciência e a Tecnologia ( SFRH/BPD/116134/2016), abril 2017-março 2020