Em 1861, Frederick Douglass, um negro norte-americano, escreveu um ensaio intitulado Imagens e progresso. Nascera escravizado, mas, tendo conseguido fugir, tornou-se uma voz pública – em textos e conferências – a favor da abolição e, em geral, da humanização dos milhões de norte-americanos de origem africana que, em meados do século XIX, viviam entre a opressão e a conquista de um estatuto de cidadania. Douglass escreveu sobre o potencial transformador da fotografia para produzir mudanças sociais e políticas na nova nação surgida após a guerra civil. Vivia, segundo ele, num século em que a imagem se tinha tornado mais importante do que a palavra, e fez-se fotografar em retratos de estúdio que contrastavam com as muitas fotografias de pessoas escravizadas feitos no mesmo período em vários lugares do mundo.
Também nos EUA, e no mesmo período, Sojourner Truth, uma mulher que nascera escravizada, recorria à autorrepresentação fotográfica para promover a dignidade das mulheres e homens negros norte-americanos. Sob o seu retrato, que vendia para promover a causa abolicionista tal como a igualdade de género, lia-se uma frase icónica: «Eu vendo a sombra para promover a substância» (1864/1865). A sombra da fotografia ao serviço da substância – um futuro mais humano e igualitário onde a discriminação fosse algo do passado. Esse futuro provou ser uma «luta constante», como escreveu mais de cem anos depois Angela Davis, mas as potencialidades da imagem como empoderamento e não apenas como desumanização já estavam enunciadas.
Estes dois casos servem como contra narrativas a uma cultura visual dominante em que as imagens de pessoas negras surgiam em situações de escravatura ou colonialismo ou, ontem como hoje, vítimas de racismo e violência, policial como estrutural ou, no caso dos corpos das mulheres, também violência sexual. Desigualdade racial e de género legitimada por genealogias de poderes em que uns corpos valiam mais do que outros.
Cada contexto nacional tem a sua especificidade histórica. Se os arquivos históricos visuais dos EUA são indissociáveis da escravatura oitocentista ou da segregação recente, as imagens de pessoas negras nos arquivos portugueses, como nos franceses, britânicos ou alemães são inseparáveis de uma história recente em que a cronologia do colonialismo coincidiu com a da fotografia nas suas múltiplas formas de reprodução – postais, livros, jornais e folhetos.
Nos últimos anos têm sido muitos os académicos, artistas, curadores e arquivistas – muitos deles negros e da diáspora africana – a abordarem criticamente a relação entre visualidade e negritude, entre imagens e racismo, entre direito a representação no espaço público como modo de justiça racial e social; ou, as muitas implicações éticas em lidar, hoje, com os legados visuais do passado.
Neste ciclo de conferências, iremos ouvir e debater com algumas destas vozes. – Filipa Lowndes Vicente, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Ao todo, são 5 sessões, algumas em inglês, outras em português e contam com a participação de Heloisa Pires Lima, Billy Woodberry, Deborah Willis, Kenneth Montague, Ruth Wilson Gilmore.
O ciclo tem lugar no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Veja programa completo aqui