Entre 16 e 17 de Novembro tem lugar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o XXXVIII Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social (APHES), dedicado ao tema O Género na História Económica e Social.
Filipa Lowndes Vicente (ICS-ULisboa) coordenou o painel “Museus e Exposições no Espaço Colonial Português (sécs. XIX e XX)”.
Com a moderação de Maria do Mar Gago, investigadora associada do GI Impérios, o painel contou com três apresentações.
1. Ver o passado e o futuro: Exposições industriais, agrícolas e artísticas em Goa (1860-1952)
Filipa Lowndes Vicente (ICS-ULisboa)
2. Para uma história do Museu de Angola: ideias exploratórias e pistas de investigação
Ana Rita Amaral (University of the Free State, África do Sul)
3. Ciência, Cultura e Colonialismo Tardio no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa
Frederico Ágoas (CICS.NOVA FCSH)
para mais informações sobre o Encontro, visite aqui.
Resumos das comunicações apresentadas no painel
1. Ver o passado e o futuro: Exposições industriais, agrícolas e artísticas em Goa (1860-1952)
Filipa Lowndes Vicente (ICS-ULisboa)
Em 1860, Goa foi o cenário para uma exposição com a palavra “industria” no seu título e quase 3000 objetos ou amostras, todos descritos num catálogo impresso. A organização de exposições em Goa pode também ser analisada como um modo de apropriação de discursos e práticas associadas ao progresso e modernidade tal como estes eram concebidos, e assim contrariar o também persistente paradigma da “decadência” associada ao Império português da Ásia em meados dos séculos XIX.
Como é que a mais esquecida das geografias coloniais deste período organizou uma exposição industrial cinco anos antes da primeira que teve lugar em território metropolitano – no Porto em 1865 – ou vinte anos antes de outra exposição no espaço colonial português – a de Cabo Verde em 1881? As elites goesas anteciparam assim as instruções vindas da metrópole na década de 1880 acerca dos benefícios de organizar exposições nas colónias. A iniciativa de uma elite masculina local – nascida em Goa ou proveniente da metrópole – será, aliás, uma característica deste período essencial para se compreender a riqueza e diversidade da produção intelectual e cultural que teve lugar em Goa entre 1860 e 1961.
Se as exposições em Goa começaram por estar ligadas às exposições católicas associadas ao culto de São Francisco Xavier, veremos como o modelo expositivo se adaptou a outros contextos históricos, também mais seculares. Entre 1860, passando por 1890 e 1913 e até 1952, em pleno Estado Novo e poucos anos depois da “Índia Britânica” se ter tornado um país independente, Goa foi o cenário e o tema de várias exposições. Os modos como estes espaços foram apropriados para projetar várias identidades goesas – distintas e por vezes contraditórias – será o principal objeto da minha análise.
Palavras-Chave: Goa, Índia; exposições; colonialismo; modernização; historização
2. Para uma história do Museu de Angola: ideias exploratórias e pistas de investigação
Ana Rita Amaral (University of the Free State, África do Sul)
A relação entre museus e colonialismo em Portugal tem vindo a merecer uma atenção crescente, tanto académica como mesmo mediática. Vários autores têm contribuído significativamente neste sentido, não só através de abordagens mais gerais ao tema, como também com o aprofundamento de alguns estudos de caso, sobretudo no cruzamento com a constituição de colecções e museus etnográficos, e com o desenvolvimento da antropologia (ver, entre outros, Bouquet et al 1988; Gouveia 1997; Dias 2000, 2001; Roque 2001; Cantinho 2005; Porto 2009; Amaral et al 2013).
Neste panorama, a criação e existência de museus nas colónias portuguesas não tem sido tão trabalhada. À excepção do trabalho de Porto sobre o Museu do Dundo, criado pela Companhia de Diamantes de Angola, em 1936 (Porto 2009), a maioria dos trabalhos tem-se concentrado sobre os esforços institucionais a partir do plano metropolitano, ainda que, como chama atenção Dias, as divisões entre metrópole e colónia, centro e periferia, ciência metropolitana e ciência colonial devam ser problematizadas no que respeita à constituição de colecções e museus ditos ‘coloniais’ (Dias 2001:20).
Nesta apresentação, pretendo contribuir para o debate em torno desta temática, abordando o caso de Angola e discutindo algumas notas exploratórias sobre o Museu de Angola. Criado em 1938 e inicialmente instalado na Fortaleza de São Miguel, em Luanda, o Museu era composto por cinco secções (etnografia, história, ciências naturais, economia e arte) e dois anexos (biblioteca e arquivo histórico). Nesse mesmo ano, realizara-se a Exposição-Feira de Angola, apontada como percursora do Museu, através da qual se procurara, a partir de Luanda, mostrar o desenvolvimento da colónia. Podendo discutir-se o carácter mais precoce ou mais tardio da criação do Museu de Angola face ao panorama científico-museológico colonial português e internacional, é de salientar que se encontram, desde pelo menos meados do século XIX, várias tentativas de criação de museus em Luanda. Dentre estas, a mais notória foi a da criação de um Museu Etnográfico de Angola e Congo em 1912. Apesar de malogradas, estas iniciativas tinham por fim promover o desenvolvimento e acumulação locais de conhecimento sobre o território, à medida que a ocupação e a malha administrativa se iam expandindo. Procurarei assim problematizar a criação do Museu de Angola, considerando as iniciativas que o precederam, os diversos actores envolvidos, para além da administração colonial, bem como a sua relação com instituições congéneres, dentro e fora Angola. Procurarei ainda abrir pistas de investigação sobre a actividade científica e cultural do Museu durante as décadas seguintes, tendo em conta a criação do Instituto de Investigação Científica de Angola (1955) e as políticas de investigação colonial concentradas na Junta de Investigação do Ultramar a partir dos anos 1950.
Palavras-chave: Museu; Angola; Colonialismo; Ciência
3. Ciência, Cultura e Colonialismo Tardio no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa
Frederico Ágoas (CICS.NOVA FCSH)
Em Portugal, os estudos acerca das transformações epistémicas ocorridas a partir de meados da década de 1950 no contexto da investigação colonial, designadamente a utilização de métodos científico-sociais para produzir informação considerada útil para o governo das populações, têm estado focado na actividade do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos ou de outros organismos directamente dependentes da administração metropolitana. Originalmente atribuídas à iniciativa de alguns africanistas portugueses, aquelas transformações seriam entretanto consideradas como subprodutos da reacção política dos mais altos quadros do colonialismo português à transformação radical do contexto geopolítico. Mais recentemente, sugeriu-se também que aquelas transformações devem ser pensadas à luz da progressiva racionalização da administração colonial; da consequente reforma da Escola Superior Colonial, em 1946; e dos apelos dos funcionários coloniais a respeito da sua própria formação profissional. Menos explorada, todavia, tem sido o significado que a iniciativa não-metropolitana possa ter tido no mesmo processo. É neste contexto que importa explorar a aparente precocidade da acção científica e cultural do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa (CEGP), criado em 1946 e cuja actividade extravasa em muito a investigação etnográfica e social que será regularmente publicada nas páginas do seu periódico, o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa (BCGP) ou nas próprias edições do Centro. A natureza substantiva destes trabalhos, em larga medida produzidos por funcionários coloniais, tem sido tratada apenas marginalmente em trabalhos que os tratam como fontes; e a actividade do CEGP só foi explorada em trabalhos de natureza memorialística ou em estudos centrados no seu principal instigador, o oficial de marinha Avelino Teixeira da Mota. Nesta apresentação reúno novas informações sobre estes tópicos e sintetizo a actividade científico-social dos primeiros anos do CEGP no contexto mais geral da sua actividade cultural, designadamente a criação de Museu etnográfico e de história natural, e integro os resultados desse exercício numa leitura geral das reformas empreendidas por Sarmento Rodrigues enquanto governador da Guiné Portuguesa. O estudo destas iniciativas é tanto mais relevante se considerarmos que Sarmento Rodrigues assumirá entretanto posições como professor da Escola Superior Colonial e como Ministro das Colónias, e que o futuro líder do movimento nacionalista da Guiné-Bissau e Cabo Verde, Amílcar Cabral, publicará diversos artigos no BCGP durante a década de 1950, na altura ainda como agrónomo ao serviço do império colonial português.
Palavras-Chave: Colonialismo; Ciência; Modernização; Guiné-Bissau; Portugal