O texto que se segue constitui um contributo de investigadores do GI Impérios para a discussão do Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação do Governo português, que esteve em Consulta Pública até dia 10 de Maio de 2021. Contribuíram para a redação do texto Cláudia Castelo, Pedro Gomes, Marta Macedo, Matheus Serva Pereira, Ricardo Roque, Ana Margarida Santos, Kevin Soares, e Ângela Barreto Xavier. Foi objetivo do nosso contributo salientar a necessidade de o plano final do governo conceder relevância efetiva à “história do colonialismo e da escravatura”, conforme o Plano de ação da Comissão Europeia contra o Racismo 2020-2025 reconhece e exige. O texto foi submetido individualmente na plataforma consultalex.gov.pt .
No dia 7 Maio de 2021, reuniram investigadores do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no âmbito do Grupo de Investigação “Impérios, Colonialismo e Sociedades Pós-coloniais” (https://gi-imperios.org/blog/pt/). Este grupo estuda o passado e os legados do império colonial português do ponto de vista da história e das ciências sociais. As observações seguintes resultam do debate e das conclusões da equipa deste grupo reunida nessa ocasião.
Enquanto investigadores na área da história e das ciências sociais saudamos a elaboração do “Plano nacional de combate ao racismo e à discriminação” (doravante Plano) que consideramos um momento fundador de reconhecimento de um problema com raízes históricas e de extrema atualidade no panorama português contemporâneo.
A natureza do fenómeno do racismo e da discriminação exige uma reflexão mais aprofundada do que aquela que o breve texto do Plano proporciona. Aproveitamos contudo esta consulta pública para tecer alguns comentários que consideramos importantes para melhorar o documento, do ponto de vista da nossa área de especialização profissional.
Em síntese, os comentários seguintes visam recomendar a necessidade de medidas concretas que correspondam ao objetivo de “combater os estereótipos e reforçar a consciência histórica” no respeitante a dois fenómenos cruciais às “raízes históricas do racismo”, a saber: o colonialismo e o escravatura.
Conforme sublinha a Comissão Europeia no seu plano de ação contra o racismo 2020-2025 e o Plano igualmente reconhece, “o colonialismo, a escravatura e o Holocausto são partes integrantes da nossa História”. Porém, o Plano é omisso na referência a intervenções relativas aos dois primeiros fenómenos e não aponta qualquer ação efetiva com eles especificamente relacionada.
Comentários:
Acreditamos que a “Introdução e enquadramento” não é explícita em relação à espessura histórica do racismo em Portugal, e à sua articulação com o colonialismo – e às várias formas de relacionamento com a alteridade que este encerrou – nomeadamente no que se relaciona com o tráfico de pessoas escravizadas.
Na “Introdução e enquadramento”, e atendendo a que racismo é um processo em constante transformação e reconfiguração, ressaltamos que a definição do fenómeno é algo limitada. A negrofobia, afrofobia, o anticiganismo, antissemitismo, islamofobia e xenofobia não esgotam nem espelham a diversidade das comunidades alvo de exclusão. Exatamente num momento em assistimos a processos de discriminação racial em relação a populações migrantes do sudoeste asiático a trabalhar no Alentejo litoral, apelamos a uma definição mais clara e mais ampla do fenómeno.
Os “Princípios transversais” que orientam o documento salientam a importância de desconstruir estereótipos. Concordando em pleno com esta proposta, salientamos, no entanto, a ausência de programas concretos para desenvolver “o conhecimento e consciência histórica do fenómeno do racismo e da discriminação”. Temas como colonialismo e escravatura, essenciais para o entendimento do racismo em Portugal no passado e no presente, deveriam ser alvo de programas específicos de financiamento científico à imagem do concurso “Portugal e o Holocausto: investigação e memória”.
Em relação às “Áreas de intervenção”, ponto 2 “Educação e cultura”, considero que, para além da disciplina de cidadania e desenvolvimento, deve também ser mencionada a importância de “Diversificar o ensino e os currículos” nas disciplinas de História, em todos os ciclos de estudo em Portugal, do 1º ciclo ao ensino superior.
Medidas:
Por conseguinte, juntamos aos comentários acima a sugestão de três medidas concretas nesse domínio, que julgamos enriquecerão o “Plano nacional de Combate ao racismo e à discriminação”:
Na Área de Intervenção 1: Governação, informação e conhecimento para uma sociedade não discriminatória:
– Apelamos a que as ações de capacitação de profissionais incluam informação sobre a história do colonialismo, da escravatura e do Holocausto especificamente ligadas ao caso português.
Na Área de Intervenção 2: Educação e cultura e 3, Ensino Superior
Apelamos a que, para além da disciplina de cidadania e desenvolvimento, seja mencionada a importância de “Diversificar o ensino e os currículos” nas disciplinas de História, em todos os ciclos de estudo em Portugal, do 1º ciclo ao ensino superior, de modo a incluir informação sobre as raízes históricas do racismo em relação aos principais fenómenos acima identificados, bem como sobre as histórias das populações racializadas.
Na Área de Intervenção 3: Ensino Superior
Apelamos a que o Governo português, nomeadamente através da FCT, promova programas e iniciativas de apoio à investigação sobre a história do colonialismo e da escravatura. Sugerimos, por exemplo, a criação de um Programa Nacional para a Memória da Escravatura e do Colonialismo, que seja equivalente ao impulso já conferido à Memória do Holocausto.
Por fim, esperamos que futuros desenvolvimentos desta importante iniciativa de “Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação” possam vir a beneficiar do saber especializado dos historiadores e cientistas sociais profissionais, ainda insuficientemente plasmado neste documento bem como na composição do grupo de trabalho que lhe esteve na origem.
Cláudia Castelo, Pedro Gomes, Marta Macedo, Matheus Serva Pereira, Ricardo Roque, Ana Margarida Santos, Kevin Soares, e Ângela Barreto Xavier
Lisboa, 9 Maio 2021