Reflexões sobre o continente africano: agências, vivências e historiografias (séculos XIX e XX) | 23 Jan | 11h

No dia 23 de janeiro (NOVA DATA) terá lugar no ICS-ULisboa o seminário Reflexões sobre o continente africano: agências, vivências e historiografias (séculos XIX e XX), uma iniciativa do projeto “História da África em português: convergências e divergências” (UFBA / ICS-ULisboa), em parceria com o Grupo de Pesquisa AnaGê (USP) e o GI Impérios (ICS-ULisboa). Cristina Wissenbach (USP), Iamara de Almeida Nepomuceno (PPGHS/USP) e Núbia Aguilar (IH- UFRJ) serão as oradoras, com moderação de Matheus Serva Pereira (ICS-ULisboa). A partir das 11h, na Sala Maria de Sousa do ICS-ULisboa.

Dinâmicas oitocentistas do comércio de escravos e da escravização em Moçambique: amplitude & continuidade, fontes & tendências historiográficas
Cristina Wissenbach (História Social – USP)

Nos últimos tempos a historiografia sobre o comércio de escravos e os processos de escravização em Moçambique oitocentista, tem crescido de forma expressiva, aproveitando as informações recolhidas por diferentes bases de dados, entre elas a Slave Voyages, mas também os dados sistematizados por José Capela, tanto no “Repertório das viagens dos navios de Moçambique” (2002), quanto por seu importante Dicionário de negreiros, publicado em 2007. Se de início, as informações da base SlaveVoyage permitiram redimensionar a participação da África Oriental no comércio atlântico e o dicionário, a composição plural da elite negreira, deixaram a mostra outros flancos, quais sejam, as relações entre Moçambique e as demais sociedades índicas, considerando o período cronológico estendido, principalmente. Vencendo o que Abdul Sheriff chamou da “tirania do Atlântico”, é extensa a produção em torno das particularidades destes processos no contexto da África Oriental; imbuída pelo espectro temporal alargado verifica-se, de um lado, a continuidade da comercialização de seres humanos sob novos rótulos e mecanismos e, de outro, a formação dos agrupamentos de refugiados no contexto local (de Moçambique e das regiões adjacentes) e as comunidades diaspóricas que se estendem por várias das sociedades índicas. O objetivo desta apresentação é adensar essas direções, dimensões e estudos, demonstrando a continuidade das discussões referidas no artigo a ser publicado na revisa Afro-Asia, “Inflexões índicas na diáspora atlântica e nas dinâmicas do trato de seres humanos na África centro-oriental, ao longo do século XIX”, bem como a recente produção feita junto ao GP AnaGerturdes de Jeuss, mulher da Terra, dDH/CNPq.

Ancestralidade, Colonialismo e Morte: A Reconfiguração Social em Choriro
Iamara de Almeida Nepomuceno (PPGHS/USP)

No romance Choriro (2009) de Ungulani Ba Ka Khosa, a morte é um processo de transformação social, política e espiritual, mais que um evento físico. Nesta narrativa, ela ganha sentido simbólico de continuidade e ruptura sociopolítica, passa a refletir um profundo elo com a ancestralidade e o poder no Vale do Zambeze. Neste trabalho, analiso Choriro à luz da “estética da morte”, destacando como a obra a utiliza para narrar conflitos, dinâmicas históricas e sociopolíticas da região. Neste romance, há a recuperação de vozes marginalizadas que ajudam a reconstituir a história do Vale do Zambeze, a qual esteve frequentemente ofuscada pela narrativa da luta pela independência. O Choriro diz respeito às cerimônias de luto que, no caso do romance, são realizadas pelas seis esposas do mambo Nhabezi, cuja evocação remete à tradição mpondoro, na qual, o falecido se transforma em espírito protetor ancestral. Nesse momento, a transmutação molda o futuro da comunidade, também simboliza a preservação das identidades africanas frente ao colonialismo. Além disso, a morte em Choriro é metáfora para a violência colonial e o impacto do tráfico de escravos no século XIX.

Intelectualidade e escrita crítica na União Sul-Africana (1950)
Núbia Aguilar (IH- UFRJ)

Esse estudo possui por objetivo apresentar alguns elementos que permitem discutir sobre como a escrita e representatividade foram canalizadas para a expressividade de grupos urbanizados durante a primeira década do apartheid – principalmente na área de Johannesburg. The African Drum será a fonte utilizada para subsidiar essa discussão. A revista lançada em 1951 foi um importante veículo de circulação de informações, ideias e popularizou elementos que lidos em seu contexto histórico nos permite observar a dinamicidade e buscar por formas de vivências e sobrevivências em um contexto mais amplo cercado pela opressão. Ao estudamos esse material dialogamos com uma realidade composta por muitas camadas, que atravessam os reducionismos e binarismos, por vezes recorrentes nas abordagens sobre o apartheid. Sem desconsiderar a conjuntura que delineava o pano de fundo, e a desigualdade e violência do Estado nesse período, recorremos a narrativas que nos permitem ler outras agências, arquitetadas por diferentes sujeitos históricos diante dessas imposições e nas assimetrias sociais.